Uma ida ao Éden

A povoação mais perto é Tutuala. Embora perto, fica a uma altitude significativamente superior à da praia e com uma estrada só praticável a veículos Todo-o-Terrenno devido à sua grande inclinação em alguns sítios e ao piso de calhaus soltos. De Tutuala à praia leva-se à volta de meia hora.
A jornada começou em Díli. Saímos depois do almoço e fomos pernoitar ao resort turístico junto à praia de Com.
A distância em Timor-Leste mede-se em tempo e não em qualquer das unidades de comprimento. De Díli a Baucau são aproximadamente duas horas e meia. E desta cidade a Com uma hora e meia. A qualidade da estrada até Com é o que de melhor Timor-Leste tem a nível de estradas, e comparando com Portugal, são do tipo municipal com uns buracos de vez em quando mais umas derrocadas vidas da montanha. No entanto passa-se bem, sendo a velocidade média que conseguimos fazer na ordem dos 60 Km/h.
Embora se possa pernoitar na Pousada de Baucau, cuja a qualidade é mediana com preços à volta de 60 USD por dia, vínhamos dispostos a utilizar as nossas tendas de campismo. Por isso, resolvemos avançar até Com onde por 5 USD acampámos dentro do resort situado à beira mar com apoio de duche e bar. Quem não quiser acampar pode escolher as casinhas cujo preço varia de 30 a 80 USD por dia.
Este resort tem muito bom aspecto e está muito bem situado, no entanto não o poderemos comparar com nada parecido por perto porque não existe. A Pousada de Baucau tem um serviço diferente e está inserida num outro ambiente, no meio da cidade e a uma altitude considerável.
O percurso de Com até ao nosso ponto de destino é muito incómodo e só mesmo alcançável com viaturas especiais. No entanto passa-se por lugares fantásticos e isolados do resto do mundo. Poderíamos ir por Lospalos, mas preferimos um outro percurso, onde se passa por aldeias perdidas no meio da montanha e nos coqueirais. Aldeias onde a tradição se faz sentir com muita intensidade e em que as pessoas vivem uma vida impressionantemente simples, bem agarradas à terra. É interessante ver que volta e meia aparecem casas com cortinas porque o normal é não as terem, disseram-me que são um sinal externo de riqueza, hummm. É claro que a bela da antena parabólica, embora muito rara também adorna alguns dos “chalets”.
Mesmo antes de chegarmos ao nosso ponto de destino, parámos em Tutuala para contratarmos o Sr. Gonçalo que foi ex-militar do Exército Português antes da invasão indonésia. O Sr. Gonçalo esteve connosco na praia todo o tempo e com o objectivo de livrar-nos de todo o trabalho extra, como as limpezas, a obtenção e preparação da comida, o fazer e o manter da fogueira acesa, a preparação das tendas e a segurança durante a noite. Para este tipo de pessoas um bom ordenado em Timor-Leste anda em torno dos 4 USD diários, mas acabámos por lhe dar 15.
Embora tivéssemos trazido muita coisa de Díli, como pão, água potável, temperos, bebidas, legumes, etc., todas as proteínas era provenientes do peixe que os pescadores nos vendiam. Os dois peixes que se vêm na foto, uma Barracuda e um Serra custaram 10 USD e deu para uma refeição para onze pessoas.
Na aldeia de Tutuala fomos ferozmente abordados por um bando de crianças que nos queriam vender bugigangas feitas em tartaruga. Um anel 1 USD, uma pulseira fina 2 USD, uma pulseira larga 4 USD, e por aí fora. O engraçado é que não negociavam o preço, mantiveram-no fixo até ao fim. Na verdade acabámos por comprar umas coisas.
Todo o tempo que lá passámos foi de laser, dedicados sobretudo a contemplar aquela natureza maravilhosa. Apesar de não me ter esquecido do protector solar, fiquei com as costas bem vermelhas em virtude de ter passado grande parte do tempo a mergulhar nos recifes de coral. Embora perigosos porque a qualquer momento pode aparecer um tubarão, uma caravela portuguesa (alforreca que mata em três minutos) ou mais raro mas possível de aparecer um crocodilo, o recife de coral oferecem-nos um dos mais fantásticos espectáculos da natureza. E o facto da visão que temos não provir de nenhum documentário de um qualquer canal temático, mas sim directamente da natureza para os nossos olhos, resulta numa constante atracção por aquele local e o de não largarmos a água. Embora quente, ao fim de umas horas molhados já começamos a sentir hipotermia, e é isso que nos faz sair da água, ou então o fim da luz solar.
Para um passeio destes, convém que estejamos preparados com comida enlatada, alguns ingredientes, gelo, loção anti-mosquito e combustível, porque esta zona é remota e só nos oferece alguns alimentos retirados directamente da natureza e nada de produtos de supermercado.
A minha tenda era feita em rede de modo a proteger-me da bicharada, mas na pratica estava a dormir ao relento. Não imaginam o que é estar em contacto directo com a natureza sem ter frio, e quando se acorda ter como tecto um magnífico céu estrelado. Uma das coisas que mais me impressiona em Timor é o céu. Devido à quase inexistência de iluminação pública, a noite fora das cidades e vilas é absolutamente negra, ressaltando assim todo o esplendor das luzes celestes.
É igualmente impressionante a quantidade de pequenos seres que povoavam a área onde estávamos. Lagartos, cobras, insectos gigantes e pequenos, pássaros, toquês (espécie de osga cujo o canto embala a noite timorense) e escorpiões, são aos milhares. Durante a noite onde o silêncio reina, é impressionante a quantidade de ruídos que ouvimos provenientes destes animais.
Uma das moças foi picada por um escorpião, pelo que foi transportada até Tutuala para que o curandeiro lhe preparasse uma mistela para lhe aliviar as dores.
Durante uma conversa ao serão com os outros, uma cobra com pouco mais de um metro, prateada com pequenas bandas negras em forma de anel que lhe envolvia o corpo, passou por cima dos meus pés. Sem saber se seria venenosa ou não, fiquei muito quieto e pálido. O Sr. Gonçalo depois informou-me que aquela cobra apesar de morder não era venenosa.
Apesar dos perigos por estarmos em contacto directo com a natureza, vale muito a pena viver esta experiência. Cheguei a Díli fisicamente arrasado, no entanto já estou a pensar em lá voltar assim que o físico recuperar e o trabalho permitir.
Venham a Timor, de certeza que não vão ficar indiferentes.







































